O que vou dizer me parece óbvio, não carecendo de demonstração estatística. Mas, para tranquilizar os psicólogos científicos, direi que o que digo são apenas hipóteses. Nas hipóteses, como é sabido, não é obrigatório o aparecimento de gráficos.
Mas antes de enunciar a minha hipótese desejo indicar sua relevância. Em sendo verdadeira ela muito contribuirá, em primeiro lugar, para a sabedoria daqueles que trabalham com terapia. Eles entenderão melhor os pacientes. E, em segundo lugar, ajudará as pessoas comuns a entender a si mesmas e aqueles com quem convivem, especialmente no sentido de informá-los sobre os sutis botões que, se tocados, provocarão metamorfoses indesejáveis nos mesmos.
A formação acadêmica faz com que as pessoas tenham dificuldades para entender enunciados simples, especialmente se sua linguagem for concreta. Assim, para facilitar a comunicação vou enunciar minha hipótese no estilo abstrato e de difícil compreensão, a fim de que ele seja levado a sério cientificamente. Mas não se aflijam: logo a seguir eu o escreverei em linguagem normal. A hipótese é a seguinte:
O corpo (C) é uma unidade biológica móvel processadora
de informações elétricas (reações do tipo S - R) e simbóli-
cas (imagens, palavras); as informações simbólicas
encontram salvas na memória da dita unidade soa a forma
de programas (P), em tudo semelhantes aos programas de
computadores. A unidade C funciona de acordo com a
lógica de programa simbólico ativo no momento, sendo
que eles podem ser ativados por uma ampla variedade de
símbolos.
Passo, agora, à explicação. Os sociólogos dos conhecimento Berger e Luckmann ( A construção social da realidade) observam que enquanto os animais são o seu corpo, os homens têm o seu corpo. Tudo o que os animais são está inscrito na programação biológica do seu corpo. O seu corpo é o seu programa, seu único programa. Sábias cantam sempre do mesmo jeito, as aranhas fazem teias sempre do mesmo jeito, os caramujos fazem conchas sempre do mesmo jeito. O corpo falou, está falado. Não têm conflitos. Corpo e alma estão sempre de acordo. Por isso não ficam neuróticos. Estavam certos os teólogos que diziam que os animais não possuem alma. Porque aquilo a que se dá o nome de alma é, precisamente, a voz que discorda da voz do corpo: o corpo quer uma coisa, mas "algo" que mora nele diz o contrário.
Já os homens são diferentes dos animais. Eles não são o seu corpo. O corpo é só uma "morada" que eles possuem. Assim sendo, existe para eles uma possibilidade que não existe para os animais: eles podem se ausentar do corpo. Pois não explicamos os atos incomuns de uma pessoa dizendo que ela estava "fora de si"? Mas, se ela estava fora de si, quem é que estava dentro dela, e que foi responsável pelos seus atos incomuns? Quem é que deve ser responsabilizado? Sim, o corpo foi aquele, conhecido, onde normalmente vivia o sr. ABC. Acontece que o sr. ABC estava fora. O corpo foi o mesmo. Mas quem fez não foi o sr. ABC. Ele não pode, portanto, ser responsabilizado ou punido por aquilo que um outro fez com o seu corpo. (Imagine agora que, em vez de haver apenas um "outro" que eventualmente toma posse do nosso corpo, haja vários, cada um de um jeito...)
A teoria psicológica tradicional é muito mais simples e está muito mais de acordo com o senso comum. Sua formulação clássica se encontra em Platão, havendo a teologia cristã se apropriando dela posteriormente. Ela dia que o corpo é uma prisão. A alma é a prisioneiro. Nascida num mundo luminoso e superior, ela caiu neste nosso mundo sombrio, inferior. Encontra-se agora acorrentado no corpo, caverna escura, sem poder ver as coisas tais como elas são. O que ela vê não é verdade. São apenas as suas sombras. A alma deseja subir. Quer sair da sua prisão e voltar ao mundo luminoso de onde veio. Mas o corpo, que é a sua prisão, é feito de outra substância. É matéria. E também ele deseja voltar ao seu mundo. Quer descer. A alma é leveza. O corpo é peso. existe um conflito. Mas ele não acontece dentro da alma, que é pura flecha disparada para o infinito. A alma, ela mesma, tem uma única vontade. ela almeja as coisas nobres, de cima: o verdadeiro, o bom e o belo. O conflito acontece entre o corpo e a alma. a alma é o herói. O corpo é o vilão. Os sacrifícios, as auto-flagelações, os jejuns, as abstinências, a recusa do sexo, a recusa ao prazer, as mutilações - todos esses atos de violência contra o corpo - são expressões cristãs da teoria platônicas. segundo Norman O. Brown (Vida contra a morte), a civilização e a cultura ocidentais se construíram sobre a repressão de corpo: é preciso que o corpo seja reprimido para que a alma voe.
De qualquer maneira, essa teoria nos garante que é sempre a mesma pessoa que está dentro de corpo. O corpo tem um único morador, que sofre algumas oscilações: fica alegre, fica triste, fica manso, fica bravo, fica amoroso, fica frio. Mas é sempre a mesma pessoa.
Minha hipótese é diferente - e me dá medo. Se eu a adoto é porque ela me ajuda a compreender a mim mesmo. Valho-me de um modelo retirado da informática. Na ciência o uso de modelos é muito útil. Modelos são imagens que facilitam a compreensão de algo desconhecido. Assim, por meio de um modelo é possível visualizar e entender de forma simples e direta o que é complicado. O meu modelo são os computadores. Os computadores Os computadores, para funcionar, têm necessidade de duas coisas. A primeira é chamada hardware - que é o conjunto de todas as partes materiais que o compõem. É o corpo do computador. A segunda é o software - que é uma entidade espiritual, feita de símbolos: os programas, que normalmente se encontram
Um comentário:
Precisamos discutir este texto, esmiuçá-lo. Ele é mil.
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